Novo estudo mostra como o excesso de pornografia faz mal para a mente e o corpo
Recentemente, o influenciador digital Gustavo Tubarão, de 24 anos, contou sobre seu vício em pornografia para os mais de 11 milhões de seguidores no Instagram. Na rede social, Gustavo revelou que teve uma “recaída” após quase um ano e meio sem acessar esse tipo de conteúdo.
A condição tem ganhado cada vez mais visibilidade, em especial após diversas celebridades abordarem o assunto. Além de Tubarão, os atores Terry Crews, Robert Downey Jr. e Chris Rock e as cantoras Britney Spears e Billie Eilish já falaram publicamente sobre o tema.
Diversos estudos buscam entender a condição, mas poucos se dedicaram a investigar as experiências vividas pelas pessoas afetadas por esse vício. Por exemplo, Tubarão disse que “a pornografia não acaba só com a saúde mental da gente, acaba com o espiritual (…) Dá uma sensação horrorosa”. Já a cantora Billie Eilish disse que e sente “totalmente devastada por ter sido exposta a tanta pornografia” e que isso “destruiu” seu cérebro.
Mas um trabalho publicado recentemente na revista científica Scientifics Reports, do grupo Nature, é o primeiro a investigar mudanças subjetivas no consumo problemático de pornografia. O trabalho, feito pela Universidade Monash, na Austrália, em parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e a Universidade de Southampton, no Reino Unido, analisou questionários on-line respondidos por 67 indivíduos que se identificaram como tendo uso problemático de pornografia dos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Reino Unido.
Todos foram recrutados em comunidades para a recuperação do vício em pornografia e em fóruns de mídias sociais sobre o assunto. Os voluntários responderam perguntas discursivas, de múltipla escolha e de escala Likert (que avalia o nível de concordância ou discordância com diversas afirmações) que tinham como objetivo explorar sua experiência pessoal com o vício em pornografia. Para maximizar a participação e reduzir a vergonha ou constrangimento ao discutir o tópico, as informações foram anônimas.
— Normalmente, esse tipo de estudo é feito com questionários padronizados. O que fizemos foi justamente colher informações a partir de perguntas mais abertas, onde as pessoas pudessem falar mais profundamente sobre suas próprias experiências e os sintomas que elas apresentavam, sem uma estrutura prévia — explica o psiquiatra e pesquisador do IDOR, Leonardo Fontenelle , que também é um dos autores do estudo. — Se tratando de uma amostra de pessoas com um problema sério e estigmatizante, se torna ainda mais relevante a gente ouvir a experiência desses indivíduos.
A amostra final foi composta principalmente por homens com idade entre 20 e 30 anos.
— Nesse estudo específico foram selecionados homens em função de uma certa homogeneidade que a gente gostaria de ter para caracterizar e interpretar melhor os dados. Mas o uso problemático de pornografia ocorre predominantemente nos homens. Desde questões culturais até biológicas podem ter relevância ou explicar esse tipo de diferença entre os sexos, mas não significa que não esteja presente em mulheres — pontua o pesquisador.
Os resultados revelaram várias dimensões pouco conhecidas sobre o uso problemático de pornografia. Por exemplo, os indivíduos relataram queixas mentais e físicas após períodos de uso intenso de pornografia, incluindo dificuldades cognitivas, afetivas, sociais e físicas.
Um dos sintomas cognitivos relatados por pessoas com vício em pornografia é uma espécie de névoa mental após o consumo frequente de pornografia. Esse tipo de problema não acontecia quando essas mesmas pessoas se envolviam em outros comportamentos sexuais. Já no aspecto social, há uma redução do tempo que o indivíduo se dedica ao contato com familiares e amigos.
Na dimensão afetiva, eles relatam prejuízo na relação com o parceiro, que acaba se tornando mais superficial, além de ansiedade e depressão. E, por fim, no aspecto físico, é comum a presença de disfunção erétil e dificuldade nas relações sexuais com outros parceiros na vida real, além de diminuição da prática de a atividade física como resultado do aumento do tempo dispendido on-line.
Outra característica relatada pelos participantes foi um estado alterado de excitação sexual durante o uso de pornografia, caracterizado por um estado dissociativo semelhante a um transe. De acordo com os pesquisadores, isso não está presente em outras formas de comportamento sexual alterado, como na dependência sexual. Por outro lado, o estado de transe e dissociação da passagem do tempo são frequentemente relatados por outras dependências relacionadas à internet.
Segundo Fontenelle, ainda não se sabe ao certo de que forma o vício em pornografia causa esses sintomas, em especial o impacto na cognição e esse estado de transe.
— Uma possibilidade é que esse sintoma se aproximaria do que se convencionou descrever como “sintomas medicamente inexplicáveis” ou sintomas psicossomáticos. Outra teoria seria de que esses sintomas ocorressem após um estado de hiperestimulação, semelhante ao “crash” que acontece após o uso de cocaína, por exemplo — diz o pesquisador.
Outro fenômeno observado no estudo foi o desenvolvimento de tolerância aos conteúdos consumidos, fazendo com que os indivíduos buscassem vídeos cada vez mais extremos para alcançar a excitação.
— A exemplo do que acontece com álcool e outras substâncias psicoativas, onde o indivíduo precisa de doses crescentes para obter o mesmo efeito que ele obtinha inicialmente, no uso problemático de pornografia parece também haver o desenvolvimento de tolerância. A gente especula que isso seja causado pela quantidade de estímulos e a velocidade da internet. O indivíduo acaba não tendo a mesma recompensa a partir da exposição àquelas figuras que ele tinha inicialmente e vai se expondo a cada vez mais estímulos, que muitas vezes se tornam mais extremos — explica Fontenelle.
A pesquisa analisou ainda a autopercepção dos usuários e os seus conflitos internos associados ao uso problemático de pornografia, mostrando que aqueles com valores religiosos ou socioculturais tradicionais são particularmente propensos a experimentar angústia em relação ao uso de pornografia, mesmo em níveis baixos de engajamento.
Apesar de o estudo não ter analisado dados de usuários brasileiros, Fontanelle acredita que o padrão no Brasil seja semelhante.
Caminho para novos tratamentos
O consumo de pornografia por si só não é considerado um comportamento problemático e está presente na população de forma geral, em especial nas últimas duas décadas, devido à ampla disponibilidade desse tipo de conteúdo na internet. No entanto, até 10% das pessoas podem desenvolver uso problemático, condição caracterizada por controle prejudicado sobre o comportamento, apesar das consequências negativas em áreas importantes da vida, incluindo trabalho e relacionamentos.
— Uma das coisas mais difíceis é encontrar pessoas na população em geral que não tiveram algum tipo de exposição a esse tipo de estímulo. É um comportamento relativamente disseminado e a priori não deve ser considerado patológico por si só. Mas a partir do momento que tem algum comprometimento do funcionamento do indivíduo, em função do comportamento sexual, existe uma relevância clínica — explica Fontenelle.
Alguns sinais de que o uso de pornografia está se tornado problema é são dificuldade de se excitar com parceiros reais, problemas para atingir o clímax durante o sexo, ereções instáveis, consumir material fetichista perturbador em excesso e sentir menos prazer em atividades cotidianas.
Atualmente, o uso problemático de pornografia não é um transtorno por si só. Ele está incluído dentro de uma categoria mais ampla, que inclui todos os pacientes com transtornos de comportamento sexual compulsivo.
Além de alterações na satisfação sexual, o uso abusivo já foi relacionado à depressão, ansiedade, estresse e pior qualidade de vida. Mesmo assim, é pouco provável que um paciente procure ajuda para tratar a condição em si. Mas eles podem procurar ajuda para tratar questões adjacentes a ela, como depressão e ansiedade.
De acordo com o pesquisador do IDOR, atualmente não existe um tratamento específico para o uso problemático de pornografia.
— Quando esses indivíduos buscam tratamento, o que fazemos é lançar mão de estratégias terapêuticas para as condições que acompanham o uso problemático de pornografia, como transtornos depressivos, ansiosos, abusos de substâncias ou outras dependências comportamentais. E, muitas vezes, o uso problemático melhora também — completa.
Entre as estratégias utilizadas estão psicoterapia, antidepressivos e medicações que diminuem a impulsividade. No entanto, os resultados do novo estudo indicam a necessidade de o vício em pornografia ser visto como uma condição distinta e com mecanismos subjacentes únicos, para que possam ser desenvolvidas intervenções direcionadas e eficazes, que abordem especificamente os desafios relatados pelas pessoas que sofrem com essa dependência emergida do mundo digital. ( Imaranhão)
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